quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Lula nas alturas (Kennedy Alencar)

22/02/2008

Quando trata com desdém pesquisas de opinião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz jogo cena. Ele dá importância ao assunto. Mais do que isso, as pesquisas influenciam tremendamente seu humor e, por tabela, sua ação como governante.

Na terça-feira (19/02), pesquisa Sensus mostrou ser de 52,7% a taxa de avaliação positiva do governo Lula. Como essa pesquisa tinha margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos, o índice equivalia à marca de janeiro de 2003, primeiro mês do governo petista e de 56,6% de avaliação positiva.

O dado mais significativo era a comparação da última pesquisa com o levantamento anterior, de outubro de 2007.

Houve um salto de 6,2 pontos percentuais.

Uma elevação dessa magnitude evidencia crescimento da popularidade do governo.

Como Lula recebeu a pesquisa? "Pesquisa pra valer, para mim, é de dezembro de 2010", limitou-se a dizer.

Falsa modéstia. Sinal ruim.

Auxiliares antigos de Lula têm um fantasma: o presidente comete erros graves quando está bem, especialmente quando se sente o rei da cocada preta.

Na seqüência da pesquisa, não foi diferente.

O presidente deu duas declarações públicas bastante infelizes.

Ao se pronunciar sobre a série de ações de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra a Folha e a jornalista Elvira Lobato, uma profissional de primeira linha, ele disse:

"A liberdade de imprensa pressupõe isso".

Numa democracia, é incontestável que aquele que se julga ofendido tem o direito de recorrer à Justiça.

Mais de 50 ações da Universal foram orquestradas. Há trechos idênticos em diversas petições iniciais espalhadas pelo país, o que dificulta a presença da jornalista, pois algumas audiências acontecem no mesmo dia.

Juízes já decidiram por litigância de má-fé de alguns fiéis.

Lula deveria ter ficado com a opinião de seu ministro da Comunicação Social, Franklin Martins:

"Como qualquer pessoa numa democracia, os fiéis da Igreja Universal têm o direito de recorrer à Justiça se sentiram atingidos.

No entanto, nesse caso, o fato de o mesmo tipo de ação ter sido apresentado em diferentes pontos do país pode configurar uma punição prévia, porque joga uma carga muito grande sobre a jornalista e o jornal, consumindo tempo, energia e recursos.

Não sou especialista em direito, mas o ideal seria concentrar todos os processos numa só ação para a Justiça se manifestar".

*

Matilde deve voltar?

A outra declaração infeliz foi sobre a demissão de Matilde Ribeiro da Secretaria da Igualdade Social.

Segundo o presidente, Matilde deixou o cargo tendo cometido apenas "falhas administrativas".

Ressaltou que ela não incorreu em "delito" ou "crime".

O presidente revelou ter dito a Matilde que não valia a pena ser "massacrada" pela imprensa no caso dos cartões corporativos.

Ela gastou R$ 461,16 em um "free-shop" em outubro do ano passado, reconheceu o que chamou de "engano" e afirmou ter devolvido os recursos à União.

Mas a divulgação da despesa deu gás à oposição, e a demissão de Matilde foi uma resposta de Lula para tentar diminuir a repercussão do caso.

Se Lula acha que foi apenas falha administrativa, cometeu uma injustiça com Matilde e, portanto, deveria convidá-la a retornar ao governo.

Se considera que agiu certo ao tirá-la do posto, não deveria ter dito o que disse.

Agiu com ambigüidade. E, assim, tende a estimular novos episódios do mesmo tipo.

*

Impressões históricas

Difícil e temerário fazer uma avaliação sobre qual será a fotografia histórica da passagem de Lula pela Presidência.

O conjunto da obra parece suficiente para assegurar um lugar de destaque.

Há a fase do sindicalista inovador que enfrentou a ditadura, a do candidato marcado para perder, a da guinada pragmática ao centro e, por fim, a de um presidente preocupado com os mais pobres, com o controle da inflação e com a melhora da infra-estrutura do país.

A seu favor, conta um inegável carisma.

Basta acompanhar comícios do petista e seus contatos com o povo para perceber isso.

Há auxiliares que têm verdadeira adoração por Lula, como se ele tivesse sido eleito pelos deuses.

E, pasmem!, existem auxiliares críticos.

Estes enxergam o Lula de carne e osso.

Para eles, declarações infelizes o diminuem.

Elas transmitem a imagem de um presidente intolerante a críticas e vingativo em relação a adversários.

A disputa infantil com FHC é outro ponto preocupante, que parece complexo de inferioridade.

Na semana anterior, por exemplo, Lula havia dito que a única coisa boa que herdara de FHC fora o cartão corporativo.

Injusto e inverídico.

Opinião: Lula faz o governo que FHC deveria e poderia ter feito.

Parte disso é mérito pessoal do petista, que surpreendeu os tucanos que julgaram que ele fracassaria em seis meses de poder.

Mas outra parte se deve ao acúmulo de avanços que a sociedade brasileira vem conquistando ano a ano, governo após governo desde a redemocratização em 1985.

A obra de Lula ainda está inconclusa.

Ele tem a chance de melhorá-la mais ou de manchá-la mais nestes dois últimos anos que lhe restam de mandato.

PS - Bem, esta coluna não era para acabar assim, mas acabou.

Kennedy Alencar, 40, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kalencar@folhasp.com.br

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