quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Texto de Lula ao Congresso vira ensaio do plebiscito


Lula Marques/Folha



Como ocorre em todo início de legislatura, Lula enviou ao Congresso uma mensagem do Executivo.



Normalmente, esse tipo de texto serve para que o governo informe a deputados e senadores o que planeja fazer no ano que se inicia.



Neste ano eleitoral de 2010, Lula inovou. Em vez da programação anual, empilhou no texto as “realizações” de seus dois mandatos.



Na prática, promoveu um ensaio do “plebiscito” que idealizou como mote da sucessão presidencial –a gestão Lula versus a de era FHC.



Num dos trechos, a mensagem aborda, por exemplo, a crise financeira global que começou em 2008 e envenou as estatísticas econômicas de 2009.



A comparação foi explícita: "Ao invés das medidas adotadas em crises anteriores [sob FHC], como a redução do crédito, do consumo, do investimento público e do aumento de impostos, da taxa de juros e dos preços administrados...”



“...O governo [Lula] aumentou a oferta de créditos pelos bancos públicos, manteve os investimentos dos programas sociais e do PAC, desonerou setores da economia e renegociou dívidas do setor privado".



A mensagem de Lula privilegiou o balanço de seu governo em detrimento da apresentação das perspectivas para o ano em curso.



Uma forma de "mostrar os resultados obtidos no cumprimento da meta constante da mensagem encaminhada [...] em 2003”, anota o texto já na abertura.



Que meta? “Avançar rumo a uma sociedade mais justa, equilibrada e democrática". Passa-se então, a enumerar os feitos que o PT levará aos palanques de 2010.



Por exemplo: empregos (11,8 milhões de vagas desde 2003); Prouni (596 mil bolsas universitárias); e Minha Casa Minha, Vida (248 mil habitações contratadas).



Coube à ministra Dilma Rousseff, titular da Casa Civil, cruzar a Praça dos Três Poderes para levar ao Congresso a mensagem de Lula.



Dilma cumpre a tarefa desde que substituiu no cargo, em 2005, o antecessor José Dirceu, cuja cabeça foi à bandeja nas pegadas do mensalão.



A Dilma desta terça-feira (2) era bem diferente da ministra dos anos anteriores. Além do texto de Lula, portava uma candidatura presidencial.



De resto, Dilma trazia atrás de si o rastro da pesquisa da véspera, que a acomodara na cola do rival tucano José Serra.



Para completar a atmosfera eleitoral da cerimônia, Dilma sentou-se ao lado de Michel Temer (PMDB-SP).



Presidente da Câmara, Temer é visto pela caciquia do PMDB como o “noivo” ideal para Dilma, o nome que o partido deseja impingir-lhe como vice.



Numa evidência de que o vice não é senão a ociosidade com gabinete e carro oficial, os congressitas deram mais atenção a Dilma do que a Temer.



A certa altura, Temer rendeu homenagens ao vice de Lula, José Alencar, que acompanhou Dilma e foi convidado a compor a mesa.



O presidente da Câmara fez menção às homenagens que Alencar vem recebendo por conta da forma como tem lidado com o câncer.



"Essa solidariedade”, disse Temer, “está se transformando em admiração cívica". Aplaudido de pé pelos presentes, Alencar pediu a palavra.



Arrancou mais aplausos. E produziu certo constrangimento. As palmas soaram no instante em que Alencar injetou Deus em sua manifestação:



"Se Deus quiser me levar, ele não precisa de um câncer. Se ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve. E tudo indica que ele não quer me levar agora".



O constrangimento pairou sobre o planário no momento em que o segundo de Lula, depois de recobrir o presidente de elogios, agradeceu por tê-lo escolhido.



“Vice não tem voto”, Alencar realçou. “O dono do voto é o titular do cargo, o presidente”.



Sem querer, Alencar buliu numa pedra que Lula enfiara no sapato de Temer. O presidente insinuara, no ano passado, que a autonomia do PMDB seria relativa.



Dissera que o partido deveria encaminhar a Dilma uma “lista tríplice” de vices. A opinião da candidata, Lula realçara, teria peso na escolha.



Depois disso, ecoando Lula, lideranças petistas passaram a insinuar que Temer não seria o vice mais apropriado. Faltariam ao deputado “votos”.



O próprio Lula, em privado, manifesta preferência pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, um cristão novo no PMDB.



A pedido de Lula e por conveniência do PMDB, o debate sobre a escolha do vice arrefeceu. A encrenca foi empurrada para fins de abril, início de maio.



Lula mandou dirigentes do PT informarem a Temer que, se o PMDB optar pelo nome dele, será o vice. Mas não deixou de manifestar, nos subterrâneos, sua predileção por Meirelles.



Ao recordar que “o dono do voto é o titular do cargo”, Alencar reanimou o fantasma. Nas últimas 48 horas, animado com a subida de Dilma nas pesquisas, o petismo passou a ruminar a expectativa de que, na hora apropriada, o PMDB levará à mesa de negociações um outro tom.



Imagina-se que a perspectiva de poder que exala das sondagens eleitorais vai aplainar a crista do sócio majoritário do consórcio governista. Será?



- Serviço: A mensagem de Lula ao Congresso foi servida em nove fatias. Estão disponíveis aqui: apresentação, capítulo um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete e anexos.



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Escrito por Josias de Souza às 03h59

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